Uma pergunta que tenho me feito com frequência é por que algumas sociedades desenvolvem um sistema justo de convivência social e outras como nós patinam.
Por que o norte da Itália é rico e o Sul tão pobre? Por que a Alemanha recuperou todo um lado comunista e cresce enquanto países como Grécia, Espanha e Portugal vivem de caneca pedindo esmolas?
Existem milhares de teorias que vão desde católico versus protestantes, frio versus calor entre outras teorias.
Mas o Francis Fukuyama apresenta uma interessante teoria em seu último livro sobre a formação dos Estados.
Segundo ele, essas sociedades têm uma forte relação de laços familiares e pessoal que acaba se sobrepondo ao bem comum e social.
É como se cada um lutasse por si e não pensasse no outro até perceber que esse não pensar no outro acaba prejudicando a si, num círculo de burrice e egoísmo sem fim.
A partir desse ponto eu extrapolei e misturei com filosofia e religião para falar de amor e consciência social como círculos.
Quanto maior o círculo, maior a concepção de amor e mais ele é divino. Quanto menor o círculo, mais ele se torna egoísta e mundano.
Vamos a eles.
O primeiro círculo é o círculo de nosso umbigo e onde o maior amor é o amor a si mesmo como um narciso.
Nascemos com um mecanismo embutido pela natureza de luta pela sobrevivência e um egoísmo inato que nos faz buscar a teta mais próxima para sugar o mais rápido possível.
Muitos seguem a sugar família, amigos e o estado pelo resto da vida e, mesmo depois de adultos, seguem como vampiros sugando o mundo.
Mas felizmente somos seres inteligentes e aprendemos que esse egoísmo extremo nos é destrutível e então expandimos para o segundo e terceiro círculos do amor.
O segundo círculo é o círculo da família e o símbolo aqui é a mesa.
Já não estamos centrados somente em nosso umbigo e prestamos atenção nos membros familiares que estão ao nosso redor e o sucesso deles é muito importante, depois do nosso.
Com o egoísmo dos tempos modernos, as famílias estão reduzidas a linha de produção direta entre filhos, país, avós e netos. Tios, primas e cunhados já estão sendo colocados de lado.
E muita gente já prefere estar com estranhos do terceiro círculo do que com parentes.
O terceiro círculo são as associações por afinidades ou interesses pessoais, por exemplo, sindicatos , clubes, partidos, clubes de futebol, comunidades do facebook, maçonaria, igreja e afins.
Aqui geralmente temos interesse que um lado se destaque em detrimento do outro e defendemos o círculo em que estamos.
Esse círculo vamos representar como um campo de futebol, onde estamos irmanados com 50% da torcida e em disputa com os outros 50% da bancada.
É a disputa do meu círculo contra o seu. Ainda não é o amor que engloba todos, que é tema do próximo círculo.
O quarto círculo representa o país, estado ou município com todos os seus lados de Norte, Sul, Leste, Oeste, Nordeste e Sudeste – tratados como um organismo único.
A percepção desse círculo é bem difícil para os povos latinos porque temos uma relação muito forte com laços familiares, e até mafiosos, mas temos dificuldade imensa de amar o estado como um todo.
A relação isenta não está no nosso sangue ou as relações de sangue não nos permitem uma relação isenta.
Queremos sempre levar vantagem, não pagar imposto para o governo roubar e o estado é nosso inimigo. Somos nós contra o estado. O outro é visto como uma ameaça. O ganho dele corresponde a uma perda minha.
Quem consegue aceitar todos os moradores de seu país como seu irmão, incluindo pobres e ricos, brancos e negros, coxinhas e petralhas, nativos e imigrantes?
Você vai me dizer que algumas pessoas são insuportáveis mas não temos coisas insuportáveis em nós mesmos e mesmo assim nos aceitamos como um organismo inteiro? Por que o estado não seria assim?
Por que a concepção de estado é uma disputa de círculos de interesses pessoais, familiares e de grupos contra todos os outros, como se ainda andássemos em bando nas savanas da África?
Por que políticos de esquerda e direita não escapam da maldição de enriquecer seus familiares e descendentes?
Jamais a sociedade como um todo. Jamais um organismo. Nada além do interesse dos círculos 1 a 3. Pouco interesse além de seus umbigos.
Se não chegamos nem ao círculo quatro, os demais círculos de amor estão somente no campo do imaginário.
O quinto círculo é quando você percebe que vivemos num mundo único, de recursos limitados e culturas diversificadas, dentro de um grande globo chamado planeta terra.
E não bastasse essa compreensão de incluir outros povos como irmãos, também passamos a tratar os outros seres vivos com respeito e dignidade.
Amamos nossos cachorros, gatos, flores, rios, açudes e passamos a respeitar a natureza e a terra.
Começamos a nos preocupar com a produção de lixo, plástico, consumo excessivo, aquecimento global e exterminação das outras espécies para que apenas nosso umbigo seja alimentado.
Uma pena que o novo presidente dos Estados Unidos não tenha nenhuma preocupação com isso e é um retrocesso no pouco que se avançou nesse campo.
O sexto círculo expande o anterior para o universo de aproximadamente 13,7 bilhões de anos-luz. Você não só ama as espécies vivas como ama também o universo, a matéria, os átomos, os opostos, o bem e o mal, o orgânico e inorgânico, a vida e a morte, tudo se torna divino e maravilhoso, tudo é um todo.
Esse é o reino da ciência, da matemática, da linguagem, da astronomia, da filosofia, da beleza das artes, da música, do drama e da comédia.
Não há nada que você possa fazer a não ser aceitar e desfrutar. Transcende país, tempo e espaço. Você é um cidadão do universo, queira ou não ter consciência disso.
Já o sétimo e último círculo é um mistério absoluto e não há nada que se possa falar sobre dele.
Nesse círculo reside o mistério de tudo isso que chamamos vida. Você pode dar o nome que quiser: o divino, o sentido da vida, a justiça suprema, a beleza absoluta, o bem, as formas platônicas, Deus, Dharma, o Tao, a essência, o além, o paraíso, a transmigração das almas, Hades ou simplesmente o nada.
O mistério é mistério e para sempre será. Amém.
Se eu fosse místico eu diria que nossa viagem espiritual é evoluir por esses círculos e no sentido do menor para o maior.
Evoluiríamos do egoísmo pessoal para uma atenção com a família, um respeito ao grupo de pertencemos, uma atitude honesta com o país que vivemos, um cuidado no mundo que estamos, um encantamento com o universo que vivemos e uma reverência ao mistério da existência.
Esses seriam os sete círculos da perfeição no caminho da humanidade.
Bom se isso fosse verdade ou um dia se acreditasse nisso.
Teríamos a preocupação de criar um todo que propiciasse o desenvolvimento dos indivíduos.
Porque o que se vê hoje é um individualismo extremo que está levando à destruição do todo, do meio-ambiente e uma desproporcional concentração de renda.
Enquanto continuamos nos arrastando e tropeçando, enredados aos cordões do egoísmo de nossos umbigos.
Vanderlei Machado Vieira