– Quanto custa a tua alma?
– Não tenho ideia.
– Anda, criatura, põe logo um preço na mercadoria, resta-me pouco tempo e tenho muitas almas a comprar.
– Não és eterno?!
– A minha eternidade dura do momento em que fui criado ao instante em que me desinventarem.
– E quando será isso?
– Sobrevivo há milhares de anos, acredito que terei vida enquanto houver o meu lado oposto. Lembrem-se que fui um anjo caído. A questão aqui não é esta! Diga-me o teu preço.
– Quanto julgas que vale a minha alma?
– A alma é tua, és tu quem sabes o quanto vales.
– Pagarias qualquer preço pela minha alma ?
– Isso também és tu quem decides.
– Se eu pedisse todo o ouro do mundo?
– É esse o teu preço?
– Não… não sei. Se o preço fosse todo o ouro e toda a prata da Terra?
– Fazes da tua alma um leilão, que divertido!
– Quando teria que entregar-te a minha alma?
– Não decidi sobre o teu nascimento, nem posso decidir sobre a tua morte, terei que esperar pelo momento oportuno.
– Como é o Inferno?
– Ora pior, ora melhor do que aqui.
– Como pode ser o Inferno melhor do que aqui? Não é o Inferno um castigo?
– Nem por isso pior do que aqui!
– Estou confuso, já não sei o que estou vendendo, nem o que estou comprando.
– Tranquiliza-te, todos os teus carregam tal dúvida.
– Todos vendem a alma?
– Não estou disposto a comprar todas.
– Quais as que não te interessam?
– Não sou tão ambicioso quanto o outro lado, não pretendo ser uma unanimidade.
– Pensei que era este o teu grande objetivo.
– Quem sabe algum dia seja?! Gosto de dar um passo de cada vez. Devoro pelas beiradas com ensaiada modéstia, aprendi com vocês.
– Quem surgiu primeiro?
– Esta é fácil, se sou um anjo caído, por óbvio vim depois. Como a costela de Adão e o ovo de Colombo.
– Quem é mais poderoso, Tu ou Ele?
– Depende de vocês, por isso compro almas.
– Compras uma de cada vez?
– Não necessariamente. Também opero no mercado de atacados.
– Para pagares menos?!
– Sim, como acabei de dizer-te, opero com a lógica do mercado.
– Qual foi a ocasião em que comprastes mais almas de uma só feita?
– Não me recordo, agora. Tenho tudo anotado nos meus arquivos. Mas posso assegurar-te que crises e guerras rendem ótimas compras.
– Qual é a alma mais importante que comprastes?
– No momento é a tua. Dá-me um preço.
– O negócio comporta arrependimento?
– Este argumento é coisa do meu opositor, pura retórica, no final das contas o resultado é o mesmo, alguém pensa que ganha, alguém julga que perde.
– Assino com o meu sangue?
– Andas lendo romances demais. A tua palavra basta.
– Posso responder mais tarde?
– És esperta, criatura, na verdade tens a vida inteira para vender a tua alma. Se preferir posso comprar a tua alma todos os dias.
– Se vender a prazo, tu pagas como?
– Da mesma forma, compro todo dia um pedaço da tua alma e pago-te sem atrasos.
– Recebendo a prazo posso voltar atrás?
– Estás confundido-me com aquele que não paga nada pela tua alma, nem pelo teu sofrimento. Aquele que te ilude com falsas promessas de justiça.
– Então não posso arrepender-me?!
– Não aceitamos devoluções.
– Como assim, não és tu que estás comprando e eu que estou vendendo?
– Compreenderás com o tempo que é indiferente o lado da moeda.
– Estou em dúvida.
– É um bom começo.