Eu podia estar roubando, eu podia estar matando, mas cá estou eu escrevendo, bem pior, publicando, o que significa que desejo chamar a atenção alheia.
Vaidade de vaidade, tudo é vaidade! Nada mais humano do que a vaidade!
Só há vaidade porque existe o outro, porque anseio encontrar nele o cúmplice inevitável do meu pecado.
O pavão exibe magnífica cauda ainda que não haja espelho, de costas para sua virtude, à espera da resposta do seu desejo.
Só humanos são capazes de apaixonar-se por si próprios.
Todo humano é Narciso, ainda que vista-se de trapos e cubra-se de vergonha, ainda que rasteje na lama e flagele o seu corpo. A única dor insuportável é o desprezo dos que habitam a nossa alma, sem os quais a existência despe-se de significado.
Se a última coisa que morre é a esperança, a penúltima é a vaidade, razão pela qual maquiamos os mortos e os cobrimos de flores. O amor é raquítico para os incapazes da autoestima, porque nasce nela a paixão pela beleza alheia .
Ai de mim, se me envergonho com a imagem no espelho, pois não pode ser melhor a terceiros, o valor que não guardo por mim.
Se o erro é gênese do acerto, a frustração é a mãe da violência. Agrido e destruo os que tem o poder de revelar as minha fraquezas. Nada é mais ameaçador do que a vontade dos outros, quando divorcia-se do meu Narciso.
Temo aqueles que negam a vaidade, porque desconhecem tal força da natureza, que está por toda parte.
Perseguimos a vida, caçamos a vitalidade, a morbidez é causa mais própria aos abutres.
Farsa perfeita da sobrevivência, finge-se de morto o predador, tornando-se dissimulada ameaça, pois vale-se do repúdio à morte para sobreviver .
Guarda o camaleão, súbito bote, confundindo-se entre naturezas mortas e folhas secas, frutos coloridos e frondosos galhos.
Adapta-se, esconde-se na vaidade da floresta, serve-se da ilusão, ora existe, ora não está.
Eu existirei sempre, até que não esteja mais.
Restará a minha vaidade dispersa entre os que em mim enxergaram alguma beleza, algum significado.